Pesquisadores buscam novos tratamentos para epilepsia

Enquanto a ciência busca testar o uso de outros componentes químicos, como os ansiolíticos – tranquilizantes – e anti-inflamatórios na epilepsia, um grupo crescente de portadores tem optado por experimentar terapias diferenciadas em busca do controle do distúrbio. As opções variam entre dietas reguladas, o uso de dispositivos elétricos e procedimentos cirúrgicos.


Para cerca de 70% dos pacientes com epilepsia, o uso contínuo de anticonvulsivantes populares – valproato, fenobarbital, carbamazepina – controla a doença. Quanto ao restante dos pacientes, 15% se cura por meio de cirurgias que retiram a porção “doente” do cérebro e 6% utiliza o implante de eletrodos que normalizam a atividade cerebral. Os 9% restantes fazem parte do grupo cujos tratamentos diminuíram as crises, porém não as cessaram.

A EPILEPSIA

A epilepsia consiste em falhas temporárias da atividade cerebral que podem se relacionar a fortes pancadas, privação de sono, ausência de açúcar no sangue, estímulos sensitivos etc. Suas formas de manifestação podem passar despercebidas pelos pacientes, ou mesmo confundidas com outros distúrbios menos graves relacionados ao sono, fadiga e estresse. Em todos os casos, ela pode se manifestar de forma parcial ou generalizada.

Quando se trata da manifestação parcial, o corpo reage ao estímulo cerebral por tonturas, tremores e movimentos involuntários em todas as partes do corpo, ou mesmo uma sensação de ausência. Tais crises são comuns quando sua origem se concentra em apenas um ponto do cérebro, afetando momentaneamente a fala ou coordenação motora, passando despercebidas.

No caso da crise generalizada, mais popular, ocorre a convulsão. O portador perde a consciência e o controle motor de todo o corpo, enquanto os músculos se contraem de maneira irregular causando movimentos fortes que podem provocar ferimentos. Durante uma convulsão, os olhos podem piscar, a boca espuma e há também sangramento do nariz e dos ouvidos. Nestes casos, geralmente mais de uma área do cérebro sofreu alguma lesão que provoca as crises.

Em uma terceira instância, há os casos em que a crise parcial evolui para a generalizada por conta da ausência de tratamento, que leva o cérebro a intensificar os sintomas da doença.

É importante ressaltar, que toda epilepsia é caracterizada por uma forma de convulsão, no entanto, nem toda convulsão se trata de um caso epilético. Excesso do uso de drogas, álcool, cafeína, privação de sono, estresse contínuo, dentre outros, podem causar uma convulsão, sem que esta se repita em nenhum outro momento da vida da pessoa.

No cenário mundial, a pesquisa realizada pelo Disability-Adjusted-Life-Year (DALY) em 2002 aponta que cerca de 1,5% da população mundial é epilética. O DALY é um centro de pesquisa que coleta dados globais sobre casos relacionados a doenças e distúrbios cerebrais. Ele mostra que, na época em que foi realizada a pesquisa, cerca de 140 a cada 100 mil cidadãos portavam epilepsia no Brasil. O maio índice de incidências é na África, que chega a ter cerca de 300 casos para cada 100 mil habitantes, sendo o dobro da média.

TRATANDO A DOENÇA

Tratamentos que utilizam diferentes remédios são aplicados ao paciente em busca de um resultado. “Devido à capacidade de flexibilidade do cérebro, é possível que, a partir do momento em que o medicamento correto seja descoberto, seja necessário um tratamento contínuo que dura no mínimo cinco anos para eliminar os sintomas da doença” esclarece a neurologista Nívia Kouyoumdjian .

É importante que seja realizada a dosagem adequada com o medicamento correto para a área do cérebro que está gerando o distúrbio neural. Para tanto, o diagnóstico do paciente é necessário, por meio da realização de exames de neuro-imagem, além da análise de histórico clínico e descrição detalhada das crises. Nesse âmbito, os últimos 50 anos receberam contribuições de pesquisa essenciais para definir com maior especificidade a causa das convulsões e diminuir a margem de erro quanto às receitas farmacológicas.

Para Kouyoumdjian, a maior preocupação do uso de novos medicamentos sendo disponibilizados no mercado se encontra nos efeitos colaterais. “Temos trabalhado com novos componentes, como a lamotrigina, e mesmo o topiramato, conhecido pela eficiência para casos de emagrecimento, no entanto, cada um deles possui efeitos sobre os pacientes”. As bulas de cada um dos remédios é extensa, e os efeitos colaterais mais listados são sonolência, insônia, dificuldade de raciocínio, instabilidade emocional, dentre outros.

Outro procedimento médico no tratamento da epilepsia é a terapia VNS. A terapia consiste em implantar um marca-passo externo que atua como estimulador do nervo vago e fica localizado na área do pescoço. “A desvantagem deste dispositivo é o seu custo. Além disso, assim como as outras terapias, não há certeza de que esta funcionará com determinado indivíduo”, explica Nívia.

A alternativa tradicional utilizada em casos mais extremos trata-se da cirurgia que consiste na remoção da área do cérebro responsável pelas crises ou no implante de eletrodos internos que emitem choques a fim de regular a atividade cerebral. Neste caso, o risco é o da defasagem física no aspecto em que tal área do cérebro atuava. As possíveis sequelas pós-operatórias podem consistir em uma outra classe de cuidados a serem tomados.

O filho de Ana Balkar teve sua primeira convulsão aos quatro anos de idade, na escola, e depois da primeira, passou a ter cerca de três a cinco diárias. “Pela questão da idade, vários médicos aos quais recorri recomendaram uma cirurgia, que foi realizada quando ele tinha cinco anos”, explica a advogada. De acordo com Balkar, o caso da epilepsia de um membro da família exigiu uma maior cautela com a criança. João Henrique Balkar, depois de um ano de cirurgia, tem previsão de tomar anticonvulsivantes por mais dois anos para que seu cérebro possa ter a formação correta sem que haja nenhuma sequela no futuro.

Há ainda processos cirúrgicos paliativos que podem diminuir as crises, sem, no entanto, a certeza de curá-las, como a lobectomia e a topectomia. Para que tais processos sejam utilizados é necessária uma avaliação pré-operatória exigente. Outro empecilho é a existência de poucos centros neurocirúrgicos brasileiros que contem com equipe e aparelhagem necessárias para a realização do procedimento.

A Cooperação Internacional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CINaPCe) explica que apenas sete capitais em todo o Brasil possuem centros cirúrgicos neurológicos capacitados para o tratamento da epilepsia que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). São estes o Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

O site da Liga Brasileira de Epilepsia (LBE) explica que o número de centros não comporta a demanda de pacientes principalmente por se concentrarem na região sul e sudeste do país. Na edição da Revista Ciência Saúde coletiva de 2009, foram apontados dados de subsistema do Ministério da Saúde que relataram mais de 30 mil mortes por causa da doença em todo o país. Destas, mais de 60% se concentra na região nordeste.

UMA QUESTÃO SOCIAL

A questão da epilepsia vai além da doença e de suas consequências físicas e neurológicas. “O paciente epilético passa a se fechar por conta da doença porque desenvolve pânico da experiência desagradável da crise, além do aspecto social, visto que a doença ainda é estigmatizada” explica o psiquiatra Antonio Yakubian. A experiência da convulsão gera outras doenças psicológicas como crises de pânico e depressão.

O site da LBE fornece informações não apenas para os portadores da doença, mas principalmente para todas as pessoas que convivem com o paciente. A frequência das convulsões, o que as causa, como evitá-las, que procedimentos tomar em casos imprevistos, dentre outros detalhes, são vitais para que o epilético se sinta incluso e mais seguro em seus círculos mais próximos, incluindo familiares, amigos e colegas de profissão.

“Trabalho em um supermercado e me lembro que estava no caixa-rápido quando comecei a sentir um tremor forte na perna e uma dor forte no corpo, antes de desmaiar, quando acordei, estava no hospital”, relata Marilene Santos, sobre sua primeira convulsão. Marilene se despediu do emprego e entrou em depressão após o ocorrido, até que o marido a convencesse a procurar ajuda. No período da depressão, sua quantidade de convulsões aumentou, e ela demorou dois anos para voltar a procurar emprego.

No que diz respeito a dificuldade de aprendizagem ou de prática de qualquer atividade – quer seja na escola ou no local de trabalho – é importante ressaltar que a epilepsia em si não afeta de forma alguma o desempenho do paciente. “Os fatores que podem desencadear uma deficiência no rendimento é o uso exagerado da medicação, assim como o embaraço e o sentimento de exclusão social”, esclarece Yakubian. “Estes, entre muitos outros mitos sobre a doença, ainda existem hoje, e por falta de educação pública, persistem em criar um empecilho para que epiléticos se incluam na sociedade”, conclui.

MITOS E ESTIGMAS

Outras afirmações equivocadas sobre a epilepsia é a de que ela é contagiosa. Antigamente dizia-se que se alguém tocasse alguma pessoa durante uma convulsão, passaria a ser epilética também. O preconceito passa também a surgir no âmbito dos esportes. Ao contrário do que se espera, a prática de atividades físicas permite uma melhor condição motora e hormonal para o paciente, permitindo melhor equilíbrio psicológico.

Motivos históricos para a origem deste preconceito pode ser encontrado na bíblia. Em uma passagem do livro de Marcos, um menino foi levado a Jesus pois estava tendo crises epiléticas, e Jesus salvou-o, referindo-se à presença de um espírito mau dentro de seu corpo. Já na idade média, as pessoas – principalmente mulheres – que sofriam crises epiléticas, eram acusadas de bruxaria, visto que, de acordo com o relato da bíblia, a convulsão seria um contato direto com o demônio. A visão da epilepsia como doença crônica neurológica surgiu apenas no século XIX.

Deve-se ressaltar, porém, que, assim como direitos de inclusão, o paciente precisa de algumas atitudes próprias para seu benefício. “A própria escolha de um emprego acarretará na sua adequação ou não ao cargo”, explica o psiquiatra. “O paciente precisa saber que não pode trabalhar em locais cuja possível crise, por mais que esteja controlada por remédios, vá lhe causar danos, como operar máquinas que ofereçam perigo, entre outros aspectos”.

Dirigir também torna-se algo delicado. É necessária a companhia de alguém que possa tomar controle da situação, além do cuidado para não ir para estradas de acesso rápido, que aumentariam chances de um acidente mais grave. Tais aspectos, mesmo que não tão agravantes quanto os psicológicos causados pelas doenças, causam um desconforto que deve ser compreendido.

Para tanto, a LBE, assim como a Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), juntamente com outras ligas internacionais, procura criar filiais em todas as capitais e centros urbanos de todo o país para promover a educação pública sobre a doença, assim como o auxílio psicológico. Tais entidades buscam aproximar a realidade da doença à sociedade de forma que o epilético perca o estereótipo preocupante perante a população. Há associações responsáveis em quase todo o país.